Sunday, March 22, 2020

A mulher que queria um pássaro


A mulher que queria um pássaro

Quadro "mulher com pássaro branco" - autor desconhecido.


Ela gostava de abrir as janelas bem cedo pra sentir a brisa da manhã tocar seu rosto como se fossem dedos suaves das árvores, relva e pássaros a lhe acariciarem. Vivia só. Os filhos cresceram e foram embora. Seu ex-amor partiu porque só se machucavam. Saiu da cidade porque as pessoas acabavam sendo-lhe espinhentas. Então retornou aos campos de sua infância porque lembrava o quando fora feliz ali quando pequena, correndo no mato, subindo em árvores, perseguindo pequenos animais como se brincasse de esconde-esconde!

Naquela manhã um pequeno e lindo pássaro pousou em sua pitangueira bem próximo a sua janela. Cantava lindamente enquanto beliscava algumas pitangas maduras ou bicava feliz um inseto e outro nos galhos da planta. E ela viu o pássaro, se encantou por ele. O pássaro voou e foi embora. Ela pensou: -Ah como seria bom vê-lo todo dia e ouvir sua melodia todas as manhãs!

E no dia seguinte acordou mais cedo ainda na esperança de vê-lo novamente. Esperou... Esperou e nada do pássaro... Um lindo esquilo de calda felpuda passou embaixo de sua janela procurando sementes, mas ela nem o notou. Só queria o pássaro! Um gato lindo apareceu e correu atrás do esquilo e ela nem notou. Esperava o pássaro. O dia todo esperou ao menos ouvir o seu canto distante e nada!

Outro dia o pássaro voltou à pitangueira. Ela ficou tão feliz! Queria tê-lo todos os dias pois então seria mais feliz. Então depositou alguns grãos e farelos no parapeito de sua janela e se afastou dela. O pássaro sentiu o cheiro das migalhas, voou até lá e, desconfiado, bicou rápido o máximo de petiscos fugindo depressa pro galho de uma árvore próxima. E ficou lá cantando por algum tempo até que voou e sumiu.

No dia seguinte ele apareceu na árvore e ela colocou migalhas na janela. Ele foi lá. Demorou-se mais um pouco comendo e foi embora. E assim ela conseguia vê-lo quase todos os dias. Ele já não parecia mais ter medo dela. Teve um dia que até entrou na sua sala e comeu algumas migalhas da sua mesa... Como ela estava feliz! Mas como ficava triste nos dias em que ele não aparecia!

Então colheu alguns cipós no mato ao lado de sua casa e entrançou uma linda cesta dourada. Pôs emborcada em cima da mesa, apoiou a cesta pela borda com uma forquilha amarrada a um náilon muito fino. No dia seguinte quando o pássaro procurou migalhas na sua janela nada havia lá. Só na mesa. Muitos farelos deliciosos embaixo daquela cesta linda que lhe lembrava um aconchegante ninho... E quando ele começou a comer ouviu um “baque!” e a saída daquele ninho esquisito se fechou até que sentiu dedos trêmulos abrindo uma brechinha que não dava pra ele fugir. Depois uma mão morna entrou completamente no cesto e o agarrou delicadamente e com muito carinho o colocou numa grande gaiola, limpinha, cheia de comidinhas, poleiros variados e água fresca...


Quadro "mulher e pássaro" - autor desconhecido.

Mas o pássaro se debatia tentando sair. Fez uma grande bagunça até se cansar!

Dias se passavam e o pássaro não mais cantava, só tentava sair. Até que um dia ele não mais se debateu, ficou quieto, bebeu da água, comeu os farelos e só voava de um poleiro ao outro de vez em quando... Assim ficou por muitos dias. E a mulher pensava: -Ele é tão lindo, está aqui comigo, posso até acariciá-lo, mas ele não canta... Então só cuidava dele todos os dias e voltava à janela pra apreciar a beleza de todas as manhãs... Agora percebia o esquilo, o gato e outros pássaros que cantavam alegremente!

Até que um dia seu lindo pássaro voltou a cantar! Um canto mais lindo ainda do que antes! Melancólico mas, mesmo assim, formidável! E seu canto, dia após dia ia ficando mais formidável e melancólico até que um dia a mulher acordou, abriu as janelas, sentiu a brisa da manhã tocar seu rosto como se fossem dedos suaves das árvores, relva e pássaros a lhe acariciarem... Então se tocou que seu pássaro não estava cantando e encontrou-o no piso da gaiola com as perninhas encolhidas, pra cima, morto!

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